Consumo de cigarro, álcool e bebidas muito quentes eleva risco de câncer de esôfago, alerta especialista

Apesar de não estar entre os tumores mais frequentes, o câncer de esôfago ocupa hoje a sexta posição entre os mais comuns em homens no Brasil, ficando atrás apenas dos cânceres de pele não melanoma, próstata, cólon e reto, pulmão e estômago. Entre as mulheres, é o 15º tipo mais incidente. A incidência global também é expressiva: oitavo mais frequente no mundo, com predomínio em homens.

Entre os principais fatores de risco, estão o tabagismo e o consumo excessivo de álcool. A obesidade aparece como o segundo maior fator de risco e, somada ao cigarro, pode triplicar as chances de desenvolvimento da doença.

Em entrevista ao O Globo, o médico Flavio Takeda, referência nacional em doenças do esôfago, faz um alerta sobre o aumento dos casos de câncer de esôfago, especialmente entre os mais jovens, e detalha os avanços e desafios no tratamento da doença. O médico chama atenção para o consumo de bebidas e alimentos muito quentes, que provocam inflamações na mucosa do esôfago e aumentam o risco da doença, especialmente o carcinoma espinocelular.

“O que inflama bastante a mucosa do esôfago pode machucar e favorecer o surgimento do tumor. Isso inclui cigarro, bebidas alcoólicas, refluxo mal controlado, obesidade e o consumo de bebidas muito quentes”, explica o cirurgião.

Ele cita como exemplo a alta incidência da doença em regiões do Sul do Brasil e no Uruguai, onde o consumo de chimarrão e mate é feito com água extremamente quente.

Takeda é pioneiro em uma técnica cirúrgica minimamente invasiva, que reduz o risco de complicações pós-operatórias. Ele atua na Rede D’Or e é professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP. A cirurgia, no entanto, continua sendo um procedimento altamente complexo e de risco, por envolver simultaneamente os compartimentos abdominal, torácico e cervical.

Mudança no perfil dos pacientes

O especialista observa que a doença, antes mais frequente entre pessoas com mais de 60 anos, vem sendo diagnosticada cada vez mais em pacientes com menos de 50. “É uma mudança importante no perfil dos doentes. A obesidade precoce e o aumento de casos de refluxo estão entre os fatores que podem explicar essa tendência”, aponta.

Desafios no diagnóstico e tratamento

A descoberta da doença em estágio avançado é um dos principais obstáculos. “Muitos pacientes só percebem os sintomas quando o tumor já está obstruindo parcialmente o esôfago, causando dificuldade para engolir”, diz Takeda. Por isso, ele defende o monitoramento de pessoas com fatores de risco por meio de exames como a endoscopia.

O tratamento mais eficaz ainda é a cirurgia para retirada completa do esôfago, mas técnicas como quimioterapia, radioterapia e cirurgia robótica também têm evoluído. A cirurgia, que pode durar de 8 a 10 horas, consiste em substituir o esôfago pelo estômago, fazendo uma nova ligação entre a garganta e o sistema digestivo.

Recuperação e qualidade de vida

A recuperação é longa e exige adaptações. A internação média é de 9 a 10 dias, com 2 a 3 dias em UTI. A alimentação precisa ser reintroduzida de forma gradual e os pacientes costumam levar cerca de dois anos para se readaptarem à nova rotina alimentar. Segundo Takeda, apesar das restrições iniciais, a maioria dos pacientes pode voltar a ter uma alimentação normal, com quantidades reduzidas.

Prevenção é essencial

O especialista reforça que a melhor forma de evitar o câncer de esôfago é investir na prevenção: parar de fumar, reduzir o consumo de álcool, tratar adequadamente o refluxo, evitar bebidas muito quentes e manter o peso saudável. Ele também destaca a importância da centralização do tratamento em centros de referência, o que reduz significativamente os riscos cirúrgicos e melhora os resultados oncológicos.

Casos recentes como o do ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas e do ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica evidenciam a agressividade do câncer de esôfago e a urgência de diagnósticos precoces e tratamentos eficazes.