Sharenting ameaça privacidade e saúde mental de crianças, aponta estudo brasileiro

O compartilhamento de fotos, vídeos e informações sobre crianças nas redes sociais, prática conhecida como sharenting, representa sérios riscos à saúde mental, segurança e formação da identidade digital dos menores. É o que aponta uma pesquisa da Universidade Cesumar (UniCesumar), de Maringá (PR), publicada na revista Bioética neste mês.

O estudo analisou 73 pesquisas publicadas entre 2016 e 2023, em inglês, espanhol e português, com o objetivo de compreender os impactos bioéticos do sharenting. A investigação revelou que mais de 80% das crianças em países ocidentais já têm presença online antes mesmo de completarem dois anos de idade.

Os pesquisadores organizaram suas conclusões em quatro categorias principais: privacidade e segurança digital, implicações psicológicas e culturais, dinâmica social e familiar, e respostas legais e sociais. Dentre os principais riscos apontados, estão o uso indevido das imagens em redes de pedofilia, fraudes e roubo de identidade, além de impactos emocionais como frustração e vergonha vividos por crianças e adolescentes que percebem a falta de respeito à sua privacidade.

Outro ponto abordado foi o papel das famílias na perpetuação desse comportamento. A prática, muitas vezes iniciada pelos pais, pode ser reproduzida por avós e outros parentes — fenômeno apelidado de grand-sharenting — sem o consentimento dos responsáveis, o que gera atritos familiares.

Além disso, o conteúdo compartilhado frequentemente é acompanhado de hashtags e legendas que reforçam estereótipos, como #PrincesinhaDoPapai ou #TerrorDaCreche, moldando identidades sem a participação das crianças. O uso da imagem dos filhos em campanhas publicitárias, por influenciadores digitais, também levanta preocupações éticas e legais sobre a comercialização da infância.

Em alguns países, como a França, filhos já podem processar os pais por violação de privacidade. A União Europeia, por meio do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), também garante o chamado “direito ao esquecimento”. No entanto, o estudo destaca que o problema vai além da legislação: há um descompasso entre o discurso dos pais sobre segurança digital e suas atitudes nas redes sociais.

Para os autores Lucas França Garcia, Sophia Ivantes Rodrigues e Leonardo Pestillo de Oliveira, é urgente o desenvolvimento de políticas públicas que regulamentem a prática e promovam maior conscientização.

“É necessária uma abordagem colaborativa entre legisladores, educadores, pais e sociedade civil para formular e implementar políticas que efetivamente protejam as crianças no ambiente digital, respeitando a liberdade de expressão e a participação social”, defende Garcia.

O estudo reforça a necessidade de uma cultura digital mais responsável, voltada à proteção integral da infância e à garantia de direitos no ambiente virtual.

 

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