IBGE aponta que 46% dos idosos no Rio vivem com solidão

No ano de 1967, o terceiro da ditadura, o conservadorismo se alastrava pelo interior do país. Em Campo Grande (MS), um rapaz de 20 anos pensava que viver em uma metrópole como o Rio poderia tornar seu sonho de trabalhar com dança uma realidade. E o fez. Dois anos após se alistar no Exército, Ivan Benitez, de 23 anos, percorreu 1.612 quilômetros até chegar à cidade do Rio de Janeiro e, imediatamente, foi aceito no Theatro Municipal. O talento e o empenho resultaram em sua contratação pelas TVs Tupi, Excelsior e Globo, onde fez parte do elenco de programas de grande sucesso, incluindo os apresentados por Jô Soares.

Ivan mora sozinho desde que se mudou para a cidade e, aos 80 anos, mantém uma rotina de exercícios rigorosa, adaptando-se conforme pode: caminha meia hora da sala para o quarto em um apartamento de pouco mais de 30 metros quadrados na Glória e levanta pesos para fortalecer também os membros superiores. Ela prepara uma vitamina de maçã, banana e linhaça todas as manhãs e possui uma maneira resiliente de lidar com o envelhecimento.

“Minha vida sempre foi boa. Só não ganhei muito dinheiro, ri o artista, que não se deixa alarmar nem pelos primeiros sinais de esquecimento, uma vizinha, que leva almoço e jantar para ele, crê que seja Alzheimer, antes de contar que um de seus irmãos deve vir do Mato Grosso do Sul ao Rio no fim deste mês para vê-lo após décadas.”

Ivan é uma das pessoas que compõem a multidão de mais de meio milhão de idosos que moram sozinhos no Rio numa população de 1,3 milhão acima dos 60 anos, segundo dados do IBGE. São 45,7% de indivíduos da terceira idade que não vivem com qualquer parente ou amigo, por opção ou não.

Ana Claudia Quintana Arantes, escritora e geriatra formada pela Universidade de São Paulo (USP), lembra que a tendência é que esses números cresçam e que as formas de vida impactem cada vez mais a independência.

“Tem pessoas que estão sozinhas porque a família está longe, e idosos que perderam companheiros e os filhos estão distantes, não têm condição de cuidar. Algo que ajuda muito a envelhecer saudavelmente é a prática de atividades físicas. Um professor de educação física ou um bailarino chegam bem aos 80, mas quem trabalha a vida inteira diante do computador pode não ter o mesmo futuro, frisa a médica. E mesmo a independência tem um tempo. Se alguém adoece, só vai conseguir ter autocuidado e pagar contas se tiver alguém para ajudar.”

Helio Medina é lembrado pelos amigos como “o ser humano mais gentil que já conheceram”. Ao caminhar na rua, logo presta atenção a quem possa estar precisando de ajuda. Não se sabe se a modéstia o impede de dizer que ser uma pessoa amigável pode tê-lo ajudado a chegar longe e, mesmo aos 89 anos, continuar a conquistar novos amigos. Para ele, o segredo de uma vida longeva é vencer adversidades:

 “Comecei a trabalhar aos 14 anos como boy de um banco. Morava em Bonsucesso e trabalhava no Centro. Depois, passei num concurso para analista de laboratório, trabalhei também como professor, tive quatro filhos”, conta ele que ficou viúvo há mais de 50 anos depois que a mãe dos filhos foi vítima de um câncer de mama.

Aos 75, Helio chegou a tentar morar no Recreio dos Anciãos, na Tijuca, mas viu idosos chegarem com condições de saúde debilitadas e desanimou. Em seguida, foi convencido por uma amiga a morar num apartamento simples de temporada em Copacabana. Atualmente, é lá que ele vive: sozinho dentro de casa, mas, fora dela, com “um milhão de amigos”, muitos dos quais conheceu no grupo de Assistência e Trabalho Social com Pessoas Idosas do Sesc de Copacabana.

“Mesmo alguém com Alzheimer deve ser ouvido e estar interagindo com o meio social. Estamos longe de ter atividades na comunidade em que as famílias possam ter um respiro. É difícil lidar com um paciente que está em declínio.”

Por: Carolina Sepúlveda 

Foto: reprodução