Opinião Onbus: ‘Sex And The City’ reacende popularidade em streaming mas não ganha o coração da ‘Gen Z’

Nascida em 2002, sempre penso que cheguei “tarde” demais para apreciar as coisas, que hoje gosto, na íntegra. No bliss e no fuss da estreia. Isso serve para os filmes da Sofia Coppola, os álbuns da Fiona Apple, os quadros do Saia Justa apresentados pela saudosa Fernanda Young e, claro, a estrondosa série “Sex And The City”. 

Apesar de ter convivido com um tio hipster-high tech que me ensinou a reunir grande parte das minhas preferências culturais, nunca desenvolvi suas habilidades clandestinas com o Pirate Bay e, por isso, devo ao universo confortável, mas nada gratuito do streaming as inúmeras horas diárias que dedicava a Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda. 

E justamente a sensação de ter chegado tarde (as seis temporadas foram produzidas entre 1998 e 2004) é que faz com que eu assista à produção como uma verdadeira antropóloga, diante de um objeto que pertence ao seu tempo, onde constam gravados sinais correspondentes ao período de sua formação. Concluído em si mesmo, disponível apenas para a contemplação tardia. Zipado, como diria meu tio hacker. 

Claro que o universo daquelas quatro mulheres livres, exibidoras de Fendi’s vintage, contraditórias, problemáticas, cujas contas bancárias eram gordas demais para cargas horárias curtas demais, haveria de causar novas impressões depois de mais de 26 anos de estreia na televisão. Além da falta de diversidade sexual na série, insistia-se que alguns personagens negros (também escassos durante as seis temporadas e nos dois filmes homônimos) tivessem destinos ou traços de personalidade estereotipados e pouco complexos. 

Como uma jovem negra e filha da ‘Gen Z’, não posso deixar de notar a ausência de representatividade em várias das esferas por onde circulam Carrie e suas amigas. Um universo verdadeiramente lustroso, glamouroso e (mesmo) inacessível, como a vitrine que separa as mãozinhas nervosas de Bradshaw dos sapatos Manolo.

Mas também reconheço, como antropóloga wannabe, que existiu algum pioneirismo na reivindicação de liberdade sexual, na exibição dos obstáculos que uma mulher enfrenta para se manter vista e relevante no mundo corporativo e no medo abertamente confessado pelas quatro do envelhecimento, assuntos nada simples de transmitir numa televisão, ainda que discutidos por mulheres brancas e ricas. 

O distanciamento é um bom exercício que pode ajudar a apreciar algumas coisas, mais do que apenas fornecer espaço amplo para a crítica. Por isso, acredito que “Sex and the City”, assim como “Seinfeld”, “Friends” e “How I Met Your Mother” (outras produções que acertam em cheio ao retratarem o coração da cidade cantada por Frank Sinatra) talvez devesse ser vista menos pela ótica da revisão contemporânea e mais pela de compreensão pelas breves, mas pioneiras revoluções que trazem consigo. Juro que essa troca é bem mais benéfica se você quiser se divertir. Os looks também ajudam! 

Por: Ágatha Araújo

Foto: Goodfon

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