Rio de Janeiro reconhece práticas ancestrais de religiões de matriz africana como complemento do SUS

A cidade do Rio, pioneira na identificação de práticas ancestrais de origens africanas como um elemento complementar à saúde do SUS, deu mais um passo na batalha contra a intolerância religiosa, nesta quarta-feira (19). O anúncio foi celebrado por seguidores de religiões de origem africana, que exigem uma intervenção do governo sobre o assunto.
O Rio é a primeira cidade a aderir à resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 2023, que reconhece as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as unidades territoriais tradicionais de matriz africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS.
Para Alex d’Oxalá, coordenador do Movimento Umbanda Rio, a medida é importante na luta contra a intolerância religiosa, mas deve ser acompanhada e incentivada para que não se torne apenas meras palavras no papel.
“Esse reconhecimento foi muito importante. A gente só espera que o poder público não só reconheça como incentive as práticas e estabeleça o contato dos nossos sacerdotes, que são médicos da alma, com os médicos do corpo físico para troca de experiências. O que a gente espera é que não seja mais uma decisão política, partidária, para agradar um segmento dos terreiros. Que venha acompanhada de uma série de outras ações, valorizando o papel dos sacerdotes”, disse.
A opinião é compartilhada pelo doutor, professor do programa de História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e babalaô Ivanir dos Santos, que se preocupa com a execução da decisão. “O reconhecimento dessas sabedorias ancestrais foi importante. O grande desafio agora é como vamos tratar, como vão ficar essas relações. O reconhecimento em si é importante, mas e a prática, como será? Porque Casa de Santo não prescreve receita, ela recomenda. Será que na hora que ela recomendar um tratamento será reconhecido de fato pelo Sistema Único de Saúde? Vai ser de fato respeitado?”, questiona.
“Vai ter uma coordenação dentro da Secretaria Municipal de Saúde que vai tratar dessas sabedorias ancestrais de saúde? O grande desafio é esse. E será que essas pessoas que vão cuidar dessa coordenadoria são pessoas que têm esse conhecimento tradicional ou vai exigir diploma, formação universitária… já quebra. Não é alguém que é do candomblé e fez medicina, enfermagem… tem que reconhecer esse saber, que às vezes tem pessoas que não tem grandes instruções e conhecem muito bem e tem uma enorme sabedoria. Ela será reconhecida? São os desafios que se colocam à frente de uma decisão como essa. É importante observar que não há exclusão do médico. A questão é se o médico vai aceitar esse tipo de contribuição de fato em igualdade de respeito”, completa.
Para Ivanir, os terreiros desempenham um papel fundamental nas comunidades, especialmente no campo da saúde, desde sempre. “Eu costumo brincar que SUS de pobre, antes do SUS em 1988 entrar na Constituição, era a Casa e Santo. As casas chamadas de santo, espaços sagrados das religiões de matriz africana, eram os lugares que socorriam a população em suas enfermidades e problemas de saúde, sempre foi. Seja através do chá, banho de erva, espinheira caída… assim como muitas sacerdotisas eram parteiras, foi muito antes da criação do SUS”, afirma.