Calor extremo no Rio: pesquisa revela aumento de mortes e alerta para riscos de saúde

Rio de Janeiro registra temperaturas cada vez mais altas, por períodos cada vez mais longos, transforma o calor, velho conhecido dos cariocas, em caso de saúde pública. Fevereiro vem enfileirando dias sem chuva, com temperaturas acima dos 36°C, e a previsão é que as máximas beirem os 40°C. Uma pesquisa realizada pela Secretaria municipal de Saúde constatou a relação entre calor excessivo e aumento na mortalidade, especialmente de idosos com doenças como diabetes, hipertensão, insuficiência renal, Alzheimer e infecções do trato urinário. Em casos extremos, o risco pode dobrar.

Um levantamento analisou dados de mortes naturais ocorridas na cidade do Rio de 2012 a junho de 2024. Essas informações foram cruzadas com temperaturas registradas dia a dia por órgãos como o Alerta Rio, da prefeitura, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e a Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica (Redemet). Do total, foram destacados 390 mil óbitos relacionados a 17 causas recorrentes selecionadas para a pesquisa. Em 12 delas foi constatado aumento de incidência e, portanto, de risco, em casos de exposição a temperaturas elevadas.

“Estudos que comprovam a relação entre calor e aumento da mortalidade vêm sendo feitos há décadas em todo o mundo. O diferencial da nossa pesquisa é que levamos em conta o fator tempo de exposição ao calor, algo que é muito relevante para medir o impacto no corpo humano. Adotamos uma métrica especialmente para isso”, explica João Henrique de Araujo Morais, pesquisador do Centro de Inteligência Epidemiológica (CIE) da Secretaria municipal de Saúde (SMS).

O estudo faz parte da tese de doutorado de Araujo no Programa de Epidemiologia em Saúde Pública da Escola de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz. Os resultados são claros: no caso de doenças hipertensivas, diabetes e insuficiência renal, por exemplo, a exposição, por três horas, a calor igual ou maior que 44°C — equivalente ao Nível de Calor 5 (NC5), o mais alto na escala do adotada pela prefeitura em junho do ano passado — pode dobrar o risco de morte. No caso do Alzheimer, bastam duas horas de exposição.

O dia com maior número de mortes de idosos causadas por pelo menos uma dessas condições — 151 ao todo — foi 18 de novembro de 2023. Na véspera, uma sexta-feira, Ana Clara Benevides, de 23 anos, morreu enquanto aguardava a apresentação da cantora Taylor Swift no estádio Nilton Santos, no Engenho de Dentro, Zona Norte da cidade. No laudo da perícia, divulgado um mês depois, a causa apontada foi “exaustão térmica”. Embora mais vulneráveis, idosos não são os únicos a sofrer as consequências do calor extremo.

“Nosso corpo desencadeia mecanismos de defesa contra o calor e isso pode redundar, por exemplo, em falta de aporte sanguíneo a órgãos vitais. Isso pode acontecer mesmo com os mais jovens, mas pessoas com comorbidades e idosas têm mais risco”, diz Gislani Mateus, superintendente de Vigilância em Saúde da SMS. A mística do Rio 40 graus não pode servir para naturalização do risco para a saúde representado pelo calor, que não é mais como antes. É mais severo, mais frequente e com maior duração, e isso embasa a necessidade de que grandes centros urbanos tenham um protocolo específico como o adotado pelo Rio.

O recorde de mortes detectado pela pesquisa e a tragédia vivida por Ana Benevides aconteceram numa sequência de três dias em que o Rio sofreu com temperaturas elevadíssimas. Levantamento obtido pelo GLOBO mostra que, se o Protocolo de Calor estivesse em vigor naquele período, a cidade teria atingido o NC4 no dia 16 e o NC5 nos dias 17 e 18. Essas duas marcas permanecem inéditas desde a adoção da escala, há pouco mais de sete meses. Entre as ações previstas quando os dois níveis mais altos são atingidos está a possibilidade de “cancelamento ou reagendamento de eventos de médio e grande porte” e “megaeventos em áreas externas”. Caso estivesse disponível à época, a medida seria potencialmente capaz de salvar a vida da fã de Taylor Swift.

Os dados relativos à temperatura na cidade desde 2012, ano inicial da pesquisa, mostram que os níveis 4 e 5 foram atingidos em oito datas, todas nos últimos dois anos. Ou seja, não é apenas sensação: está mais quente de fato. Além da fatídica sequência entre 16 e 18 de novembro de 2023, no ano passado foram registrados NC4 nos dias 15, 16 e 18 de janeiro e NC5 em 17 de janeiro e 16 de março.

Nos últimos dias, a cidade permaneceu em NC3 (quando há registro de índices de calor alto, entre 36°C e 40°C) por longo período: começou na sexta-feira, dia 31 de janeiro, e seguiu assim até a manhã do último sábado, dia 8 de fevereiro, quando retornou ao NC1 (abaixo de 36°C). O refresco durou pouco. Ontem, o aviso de NC3 voltou a ser ativado na página do Centro de Operações Rio. Neste período, só até quinta-feira passada a rede de urgência e emergência da SMS registrou 3.896 atendimentos relacionados ao calor: casos de fraqueza, desidratação, desmaio, sudorese, tontura, mal-estar, queimadura solar e insolação.

Tontura, dor de cabeça e até desmaios estão entre os sintomas relatados por pessoas que passaram mal por causa das altas temperaturas. Na semana passada, Corina Moraes, de 92 anos, buscou atendimento na UPA do Engenho Novo, na Zona Norte, após se sentir indisposta. A idosa precisou ser amparada pela filha Maria Verônica Santos, de 56 anos.

“Aqui no bairro faz muito calor, até em casa com ventilador fica difícil. Minha mãe e eu tomamos banho até três vezes por dia, e bebemos muita água. Ela estava em casa, aí do nada começou a se sentir mal, tonta, com dor de cabeça, viemos correndo para a UPA. Fico preocupada já que temos muitos dias do verão ainda pela frente”, disse a filha.

Dicas para enfrentar altas temperaturas

  • Os sintomas mais comuns, que servem de alerta em caso de calor extremo, incluem variações na pressão arterial (para cima ou para baixo), náusea e vômito, desmaio, convulsões e até alucinações. Nesses casos é preciso procurar imediatamente por atendimento de emergência.
  • É importante ficar atento aos remédios de uso contínuo, mantendo as doses e os horários estipulados pelos médicos. Hipertensos e diabéticos, por exemplo, devem redobrar o cuidado, já que o calor em excesso pode desestabilizar o metabolismo.
  • No caso de idosos e crianças, o papel da família é fundamental. É preciso oferecer água sempre que possível, mesmo que não manifestem estar com sede.
  • Não se deve ficar exposto ao sol e realizar atividades que demandem esforço físico, principalmente nos horários de pico da temperatura. Isso vale tanto para pessoas que exercem atividades profissionais ao ar livre quanto para praticantes de esportes.
  • Procure manter os ambientes ventilados. Na rua, busque locais com ar-condicionado.
  • Evite produtos bronzeadores; sempre dê preferência a filtros solares.

Por: Carolina Sepúlveda

Foto: Reprodução