Covid-19 acelera envelhecimento cerebral e provoca impactos semelhantes aos da Esquizofrenia e Alzheimer
Um novo estudo brasileiro, publicado na última sexta-feira (19) na revista científica *European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience*, revela que a infecção pelo vírus da Covid-19 pode provocar alterações nos padrões de proteínas do cérebro. Algumas dessas alterações se assemelham às mudanças observadas em pessoas com esquizofrenia e doenças cognitivas como o Alzheimer.
A Covid-19 é conhecida por causar inflamação sistêmica e, em alguns casos, afetar o cérebro. Sintomas como névoa cerebral e perda de memória podem surgir durante a infecção e persistir por meses após a recuperação, quadro conhecido como Covid longa. O novo estudo ajuda a entender como isso ocorre, analisando o proteoma dos cérebros de pessoas que faleceram em decorrência da doença. O proteoma refere-se ao conjunto de proteínas de um órgão, analisado a nível molecular.
“Os genes determinam nossas funções biológicas e quem somos, e as proteínas são a forma como esses genes se expressam”, explica Daniel Martins-de-Souza, pesquisador do Laboratório de Neuroproteômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O genoma é como uma receita de bolo, e a proteína é o bolo”.
Após mapear os padrões de proteínas nos cérebros de vítimas da Covid-19, os pesquisadores analisaram as funções afetadas em comparação a cérebros saudáveis e cérebros de pessoas com esquizofrenia.
Neurodegeneração
O achado mais significativo do estudo foi a presença de proteínas associadas à neurodegeneração, ou envelhecimento das células cerebrais. A esquizofrenia não é considerada uma doença neurodegenerativa clássica, mas apresenta traços de envelhecimento celular, semelhante ao observado após a infecção por Covid-19.
“A infecção pelo vírus causa danos imediatos, resultando em proteínas associadas à neurodegeneração”, comenta Martins-de-Souza em entrevista ao Estadão. Essas proteínas são similares às encontradas em estudos sobre Parkinson, Alzheimer e Huntington. Além disso, a pesquisa mostrou que tanto o vírus quanto a esquizofrenia alteram a neurotransmissão, ou seja, a comunicação entre células cerebrais, o que poderia explicar a perda cognitiva observada em alguns pacientes com Covid-19.
Vias Bioquímicas e Energia Celular
O estudo também revelou que a infecção por SARS-CoV-2 altera a maneira como as células cerebrais obtêm energia. Essas alterações prejudicam especialmente o processamento de glicose, essencial para o funcionamento celular. Isso pode explicar por que pessoas com obesidade e diabetes, que já têm essas vias alteradas, apresentam quadros mais graves de Covid-19.
Caminhos Futuros
Embora o estudo forneça insights sobre como a Covid-19 afeta o cérebro, muitas questões ainda precisam ser respondidas. A inflamação cerebral causada pelo vírus pode ser responsável pelas alterações de proteínas observadas, assim como o envelhecimento celular e as mudanças no metabolismo energético e na neurotransmissão. No entanto, novas pesquisas são necessárias para confirmar essas hipóteses.
Ainda não se sabe se essas alterações nas proteínas cerebrais são duradouras ou reversíveis. “O desenvolvimento de tratamentos inovadores pode não necessitar da criação de novas moléculas. Existem muitas moléculas já estudadas que podem reverter a neurodegeneração”, afirma Martins-de-Souza.
Marília Zaluar, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’or, considera os achados interessantes e detalhados, mas ressalta a importância de novas investigações. Ela também destaca a necessidade de ampliar a amostra da pesquisa e levantar questões sobre os tratamentos utilizados, que podem ter influenciado os resultados.
Portanto, enquanto o estudo lança luz sobre os efeitos da Covid-19 no cérebro, ele também abre caminhos para futuras pesquisas que possam levar a novas terapias e tratamentos.