Você sabe quando está sofrendo racismo?

Posso dizer que recentemente perdi minha “virgindade” racial. A poucos dias fui abordada por dois policiais no caminho para o trabalho. “Like a virgin, approached for the very first time”. Parafraseio Madonna, para manter fresca a memória dos últimos dias, mas trago nessa antítese um assunto tão antigo quanto a idade média: racismo.

Inclusive, fazer uma coluna sobre abordagem policial é também uma coisa desatualizada, tão frequente ela é na vida de pessoas negras, que inspiram em policiais o instinto da averiguação, a verificação que atestará, em poucos minutos, a civilidade de alguém.

Digo que perdi minha virgindade racial porque, apesar de sempre ter me considerado negra (é inegável, eu faço check em todas as caixas), a experiência de ver minha cor associada à criminalidade, numa quarta-feira às 8h, em cima de uma moto, é nova pra mim.

Uma novidade que assusta, uma novidade que rompe, como num ato sexual, para manter o jogo de palavras, alguma noção antes inviolada.

Minha noção inviolável era a de que eu jamais poderia ser vista como suspeita. Que a vida comum que levo, dividida entre trabalho e faculdade, dividida entre caminhadas e martinis no mesmo sábado, entre idas à praia e ao mercado, e entre tantos outros contrastes banais, pudesse um dia ser a vida de alguém que também é abordada na rua, questionada sobre ocupar aquele espaço, naquele momento.

Também não dá pra dizer que antes disso vivia uma negritude “imaculada”. Os micro olhares de estranheza das vendedoras de lojas de luxo, bem como assistir às falsas sensações de surpresa ao ouvirem nomes de marcas estrangeiras bem pronunciados não me deixam mentir.

Porque a questão, que eu insistia em tornar secundária e distante do meu universo para o próprio bem da minha distração, é a de que uma pessoa negra num ambiente não é apenas uma pessoa num ambiente.

Como hoje, quando antes de ser uma jornalista, estudante, bom, uma pessoa, eu era uma negra. Depois de checar meu CPF, o agente se demorou em me liberar, queria estar confiante de que aquela pessoa na sua frente não correspondia mesmo às suas projeções ou, melhor, às suas certezas.

Segui o caminho familiar até o trabalho, intranquila com aquela minha estreia no “Mundo dos Suspeitos”, mas de consciência leve sobre quem eu sou e sobre o que eu estava fazendo ali: sendo uma pessoa a caminho de um lugar.

Esta é outra noção inviolável que carrego comigo: eu me concedo humanidade.

Por: Ágatha Araújo

Foto: Reprodução/Internet